
Cidade de São Paulo é personagem do novo disco de Jonnata Doll & Os Garotos Solventes
Considerando o atual contexto político e social brasileiro, o terceiro álbum de Jonnata Doll & Os Garotos Solventes, intitulado “Alienígena”, mostra-se extremamente necessário.
A banda é cearense, mas está radicada em São Paulo desde meados de 2014 e, desde então, tem passado por diversas mudanças na sua composição. Talvez o título do trabalho ainda seja uma referência ao estranhamento de estar longe de casa em uma das maiores metrópoles do planeta. Vai saber…
A faixa de abertura, “Matou a Mãe”, é uma voadora punk rocker nos peitos dos bolsonaristas e os primeiros versos são poderosos:
“Ah ele quer se sentir à vontade para fazer piada de preto e gay
Ah ele que sentir à vontade para deixar mulheres em submissão
Ah ele quer comprar um revólver para atirar num pobre no sinal
Aí matou a mãe, a irmã, a avó, a cadela aí…
Depois vieram e mataram ele”.
Feito o manifesto político, os Solventes iniciam a segunda faixa (Edifício Joelma) com uma introdução de guitarra com fortes influências oitentistas. A letra evoca um dos incidentes mais trágicos da longa história de São Paulo. Há mais de 45 atrás, o Edifício Joelma pegou fogo e, no processo, 187 pessoas morreram. Ao observar o álbum na íntegra, há duas temáticas principais nele. De um lado, temos o posicionamento político crítico à onda conservadora e do outro temos uma crônica do submundo da maior cidade do Brasil. Os relatos de personagens marginais que, geralmente são silenciados, ganham voz através da interpretação inspirada de Jonnata Doll.
E essa crônica paulistana crua e verdadeira é verificada em faixas como “Vai Vai”, que vai crescendo absurdamente do meio para o fim, e “Vale do Anhagabaú”, que de tão simples e minimalista, no que tange à presença dos instrumentos, parece mais uma contação de história vivida e detalhada, um bate-papo com Doll.
A produção de Alienígena reuniu nomes de peso da cena musical, como Fernando Catatau (Cidadão Instigado) e Clemente (Inocentes e Plebe Rude), sendo que este último divide com Doll os vocais de “Volume Morto”, mais um punk rock com forte influência dos anos 80 e que tira sarro das passeatas dos bolsominions na Avenida Paulista. E a faixa assume tons proféticos ao afirmar que “só vão restar as sementes ruins”. Será?
Pra não esticar muito a resenha, finalizo com o single do disco e um dos destaques positivos, a atualíssima “Trabalho, Trabalho, Trabalho”. No melhor estilo Crítica Radical, os Solventes esculhambam o trabalho enquanto instituição e pintam o quadro triste e real da rotina dos trabalhadores, massacrados e esmagados dentro de uma estrutura social opressiva. O clipe está na internet e é um passeio por uma São Paulo suja, cinza e abarrotada de gente.
Mesmo sem o punch do debut ou das antigas faixas da extinta Kohbaia (banda que originou Os Garotos Solventes), estamos diante de um disco musicalmente inspirado e dono de uma visão arguta sobre o Brasil! Recomendo fortemente e vamos conferir a performance ao vivo no dia 29 de setembro próximo, no Cine São Luiz.
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Tracklist
- Matou a Mãe
- Edifício Joelma
- Baby
- Trabalho Trabalho Trabalho
- Filtra-me
- Vale do Anhagabaú
- Vai-Vai
- Derby Azul
- Volume Morto
- Música de Caps
Selo RISCO (2019)
- Produção Musical: Fernando Catatau
- Coprodução musical: Loro Sujo
- Produção executiva: Alexandra Thomaz e Diletto Produções
- Produção fonográfica: Ana Carol Azeredo e Jonnata Doll
- Gravação: Bruno Buarque e Delão – Estúdio Minduca (São Paulo/SP)
- Gravação final: Loro Sujo – Estúdio Devolvam minha grana (São Paulo/SP)
- Mixagem: Gustavo Lenza – Estúdio La Nave (São Paulo/SP)
- Masterização: Fernando Sanches – Estúdio El Rocha (São Paulo/SP)